Em muitos divórcios, um dos assuntos mais sensíveis — e frequentemente mal compreendidos — é a partilha de bens. É comum que uma das partes tente excluir certos itens da divisão alegando que são “ferramentas de trabalho” e, portanto, não deveriam ser partilhados. Um exemplo clássico? O caminhão do ex-marido.
O que diz o Código Civil?
O artigo 1.659, inciso VI, do Código Civil afirma que são excluídos da comunhão de bens os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, incluindo instrumentos de trabalho. Ou seja, ferramentas simples e de uso direto — como uma furadeira de um marceneiro, o estetoscópio de um médico ou a câmera de um fotógrafo — podem, sim, ser considerados bens particulares e não entram na divisão do patrimônio comum.
Mas o caso de um caminhão é bem diferente.
Quando a “ferramenta de trabalho” vira bem partilhável
Embora o caminhão seja usado no exercício de uma profissão, ele costuma ter alto valor de mercado, ser financiado por anos e mantido com a renda conjunta do casal. Na prática, ele representa não apenas uma ferramenta de trabalho, mas um ativo familiar, usado para gerar renda e sustentar a casa, os filhos e toda a vida em comum.
Ou seja: o bem pode estar em nome de um dos cônjuges, mas foi adquirido, mantido e valorizado com o esforço mútuo da vida a dois.
Na prática: o que acontece?
Vamos a um exemplo claro:
Durante sete anos de casamento, o ex-marido da Patrícia financiou um caminhão de R$ 280 mil. Ele dizia que o veículo era “só dele”, por ser instrumento de trabalho. Mas o financiamento foi pago com a renda gerada durante o casamento.
Enquanto ele dirigia, Patrícia cuidava da casa, dos filhos, das contas — e com isso, tornava possível o trabalho dele.
Resultado? O caminhão permaneceu com ele, mas ele precisou pagar R$ 140 mil à ex-esposa, referente à metade do valor do bem. Isso é o que a lei determina em casos como esse.
“Então tudo que é usado no trabalho entra na partilha?”
Não. A diferença está no valor, na função e no contexto de aquisição e uso. Uma ferramenta de trabalho simples, pessoal e de baixo valor pode ser excluída da partilha. Mas um bem de alto valor, financiado em conjunto e usado para sustentar a família, entra no cálculo do patrimônio comum — e deve ser dividido de forma justa.
Justiça não é força, é equilíbrio
No fim das contas, partilha de bens não é sobre quem grita mais alto, quem tem o bem no próprio nome ou quem acha que merece mais.
É sobre o que a lei estabelece como justo dentro do esforço comum de uma vida a dois.
Se você está passando por um processo de separação ou tem dúvidas sobre o que entra (ou não) na partilha, busque orientação jurídica. Conhecer seus direitos é a melhor forma de proteger o que é seu — e resolver as coisas com clareza e justiça.