O divórcio por si só já é um processo doloroso. Quando ele é motivado por uma traição, a dor da separação vem acompanhada de um sentimento de injustiça, raiva e mágoa. Nesse turbilhão de emoções, uma dúvida muito comum surge: “Já que a culpa do fim do casamento foi dele(a), eu tenho direito a uma parte maior do patrimônio como uma forma de compensação?”.
É uma pergunta lógica, que nasce de um desejo de justiça emocional. No entanto, no mundo do Direito de Família, a “justiça” da divisão de bens segue uma lógica diferente, que não se baseia em culpa ou mérito, mas sim no que a lei determina de forma objetiva.
Vamos entender por que a traição, para a lei, não altera a partilha do patrimônio construído durante o casamento.
A Regra do Jogo: O Regime da Comunhão Parcial de Bens
Para entender a partilha, primeiro precisamos entender a regra principal que governa a maioria dos casamentos no Brasil: o regime da Comunhão Parcial de Bens.
- O que é? De forma simples, este regime funciona como um acordo que diz: “Tudo o que comprarmos juntos, com o esforço comum do casal, a partir da data do casamento, pertence aos dois em partes iguais (50% para cada um)”.
- A Palavra-Chave é “Esforço Comum”: A lei presume que, mesmo que um dos cônjuges não trabalhe fora ou ganhe menos, ele contribuiu para a construção do patrimônio de outras formas (cuidando da casa, dos filhos, dando suporte emocional, etc.). Por isso, tudo que é adquirido onerosamente (comprado) durante a união é do casal.
- Fundamento Legal: É o que diz o artigo 1.658 do Código Civil. A lei estabelece uma regra matemática, e não emocional.
2. O Divórcio no Papel: Por que a Culpa Não Entra na Conta?
Aqui está o ponto central que responde à nossa pergunta. A Justiça, ao realizar a partilha de bens, não entra no mérito de quem foi o “culpado” pelo fim do casamento.
- Separação de Assuntos: Para o juiz, a discussão sobre a infidelidade é uma questão de ordem pessoal e emocional. A discussão sobre a partilha de bens, por outro lado, é uma questão puramente patrimonial e matemática. São “caixinhas” diferentes.
- O Foco nas Provas Materiais: O que o juiz irá analisar para a divisão são as provas de quando cada bem foi adquirido. Foi comprado antes ou durante o casamento? Foi uma herança/doação (que geralmente não se divide) ou foi uma compra? A análise é sobre documentos, datas e registros, e não sobre sentimentos ou mágoas.
- Consequência Prática: A infidelidade, por mais dolorosa que seja, não dá à pessoa traída o direito de receber uma porcentagem maior dos bens. A divisão seguirá a regra do regime de bens adotado, que geralmente é 50% para cada um do que foi adquirido durante a união.
3. Mas a Traição Não Gera Nenhuma Consequência Jurídica?
Sim, pode gerar, mas em outra esfera. É importante não confundir as coisas.
- Danos Morais: Em situações muito específicas e graves, onde a traição expôs a pessoa traída a uma situação de grande humilhação pública e vexame, é possível entrar com uma ação separada pedindo uma indenização por danos morais. Mas isso é um processo diferente e não tem a ver com a partilha do patrimônio do casal.
- Pensão Alimentícia: A conduta de quem traiu também pode, em tese, influenciar na decisão sobre o pagamento de pensão para o ex-cônjuge (não confundir com a pensão dos filhos), mas isso também é analisado à parte.
4. Conclusão
Entender essa separação entre o emocional e o patrimonial é fundamental para atravessar o processo de divórcio com mais clareza e menos frustração. A lei busca ser objetiva para garantir uma divisão justa do que foi construído a dois, independentemente de quem errou ou acertou na esfera pessoal.
A dor da traição é legítima e precisa ser processada, mas na hora de dividir os bens, o foco deve ser na organização dos documentos e na garantia de que a partilha seguirá estritamente as regras do regime de bens do seu casamento.
Cada caso possui suas particularidades. Este post serve para informar e esclarecer, mas não substitui a orientação de uma advogada especialista em Direito de Família, que poderá analisar os detalhes do seu regime de bens e garantir a melhor proteção para seus direitos.