Construir a casa dos sonhos no terreno do sogro pode parecer um ótimo negócio no começo: menos custos, apoio familiar, tudo “em casa”. Mas essa decisão, muitas vezes tomada com o coração, pode acabar virando um verdadeiro pesadelo jurídico quando o relacionamento chega ao fim. Neste artigo, vamos abordar as implicações legais dessa escolha e o que você pode (e deve) fazer para se proteger.
O Que Diz a Lei? A Regra do “Dono do Solo, Dono do Céu”
O Código Civil brasileiro é muito claro nesse ponto. O artigo 1.255 estabelece o princípio jurídico conhecido como “acessio possessionis”, que, em tradução livre, significa que tudo o que for construído em um terreno pertence ao dono desse terreno.
Ou seja, mesmo que você tenha investido cada centavo na construção da casa, se o terreno estiver no nome do sogro (ou de qualquer outra pessoa), a construção passa a ser legalmente dele também.
Trecho do Art. 1.255 do Código Civil:
“Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções, se procedeu de má-fé. Se de boa-fé, terá direito à indenização.”
Portanto, o que vale é: o dono do terreno é o dono da construção — salvo situações muito específicas que envolvem boa-fé e possibilidade de indenização.
Na Prática: O Que Acontece Quando o Casamento Acaba?
Vamos imaginar o cenário clássico que aparece todos os dias nos escritórios de advocacia:
- Um casal casa;
- O sogro oferece parte do terreno para construção;
- Com esforço, o casal constrói sua casa dos sonhos;
- Anos depois, o casamento termina.
E aí? O que acontece?
A resposta é dura, mas necessária: a casa construída permanece como parte do patrimônio do sogro. A menos que haja documentos prévios que comprovem um direito diferente (como um contrato de comodato, por exemplo), o ex-casal não tem qualquer direito real sobre o imóvel — e a casa não pode sequer ser vendida por eles.
Existe Alguma Proteção Para Quem Construiu?
Sim. A legislação admite que o construtor de boa-fé possa pleitear uma indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel, conforme previsto no artigo citado. No entanto, essa indenização:
- Depende de provas documentais, como notas fiscais de compra de materiais, contratos com prestadores de serviço, comprovantes de pagamento, etc.;
- Só pode ser exigida do proprietário do terreno — no caso, o sogro;
- Depende da capacidade financeira do proprietário em indenizar.
Ou seja: não há garantia de que você vai receber o valor investido, e muito menos que ele será integral. E, sem matrícula própria ou escritura registrada em seu nome, a casa construída não pode ser vendida nem transferida por você.
Como Se Proteger: Cuidados Essenciais
Antes de iniciar qualquer construção em terreno que não esteja em seu nome, siga essas recomendações fundamentais:
1.
Contrato de Comodato por Escrito
Formalize por escrito a permissão de uso do terreno. Um contrato de comodato é simples, mas pode ser decisivo em uma disputa judicial.
2.
Autorização Formal Para Construir
Peça uma autorização expressa do proprietário para realizar a construção. Isso pode facilitar a comprovação de boa-fé.
3.
Avalie a Possibilidade de Usucapião
Em casos específicos — quando há posse mansa, pacífica, com exclusividade e sem oposição por um longo período — pode ser possível ingressar com uma ação de usucapião. Porém, essa é uma via longa, técnica e sujeita a muitas variáveis.
4.
Registre Tudo
Notas fiscais, transferências bancárias, fotos da obra, conversas por mensagem — tudo pode ser usado como prova de investimento em uma eventual ação judicial.
Conclusão: Sem Papel, Sem Proteção
Na empolgação do casamento e na confiança familiar, é comum deixar os documentos de lado. Mas o amor não substitui o direito. E quando o relacionamento termina, quem fala mais alto é o contrato — ou a ausência dele.
Portanto, se você está pensando em construir no terreno do sogro, pense duas vezes. Ou melhor: pense juridicamente.